sexta-feira, 19 de novembro de 2010

22- Ne me quitte pas, Amélie...

O que será que me afeta quando penso em Amélie? E mais, o que pode ainda me afetar quando escrevo sobre ela? Simplesmente não resisto, beiro o confessional, ainda que não o deseje. Não, obviamente não é um amor platônico, longe disso, faz tempo que já o superei, mas posso chamar o que sinto por essa menina aí do lado com uma colher interrogativa de "amor crônico". Sim, crônico porque geralmente o esqueço. Mas ele volta. E ataca. E afeta. E dura. E como uma dor que só se potencializa no frio - semblantes de geleiras em minha alma? Não, não... - ela subverte o natural estado das coisas.

Não lembro qual foi o ano em que vi O fabuloso destino de Amélie Poulain, mas sei que depois dele há uma sucessão quase regrada de minha visita - anualmente, isso é certo - para rir e chorar nas suas expressões e cores, jogos e melancolias. Tento descobrir aqui uma lei: qual é o estado do meu espiríto que me evoca a retirá-lo da prateleira e assistí-lo com um transbordamendo que se recria cada vez mais. 

Ah, Amélie...talvez você funcione para mim como um arquétipo que busco na mulher amada e em mim mesmo. Um eterno jogo lúdico com a vida, a grandeza das pequenas ações, as pequenas invenções do pensamento, essa transcendência do destino que pode ser feita aos poucos e cotidianamente. Fazer com que um anão de jardim viaje para mostrar ao pai que é possível a vida até no imobilismo; jogar com a sua paixão um jogo de tabuleiro que se faz na rua para encontrar em fim a mulher amada; inventar amores possíveis, reconstituir fotografias, cartas, para se encontrar apenas um enigma desnecessário que só encontra a sua utilidade no ato mesmo da criação; devolver uma caixa com relíquias antigas de um menino para um senhor que também já não necessita dela. E aqui encontramos a verdade de Amélie e, se quiserem levar para o lado confessional, a minha também: nunca ninguém precisa de jogos, cartas, fotografias, anões, mas só essas "desnecessidades" é que contornam o todo que é necessário. O afeto é o halo que possibilida a visão do sol.

Não cesso de buscar esse halo, de inventá-lo, no mundo e em mim e, claro,  naquilo que chamo de amor. A minha paixão pela arte e pela filosofia torna essa halo cada vez mais intenso de cor e brilho. Tornar a arte a potencializadora dos meus próprios afetos. Ta aí, sempre quando me acho muito rústico, brutamontes, um ambicioso talvez, é que preciso de Amélie. A humildade das pequenas buscas é que talvez nos torne grandes.

Todo idealização é um erro, já sabem disso, não é? Frustração na certa, pode crer. Não quero idealizar Amélie, colocá-las em outras, nem dela extrair o maior destino de todos. Quero apenas percorrer o meu destino sem esquecer do nosso eterno jogo possível com a vida. Procurem os pequenos jogos, os pequenos prazeres, entrem num devir-pequeno para ver com o microscópio o nosso real tamanho. Mínimos, múltiplos, comuns, um, nenhum, cem mil. Podemos ser todos, nenhum, múltiplos, comuns, depende apenas do tipo de jogo que você quer travar com a vida. Ah, e sabendo sempre que ganhar ou perder é sempre provisório e o que vale a pena são os dados lançados e a batida acelerada do coração quando eles estão no ar. Lançar os dados, lançar os dados...

Ne me quitte pas, Amélie. Não esquecer do seu destino e do seu jogo, dos seus prazeres. São todos meus. Amélie é contra a imposição do ordinário que vai se encruando na nossa pele, nos nossos dias, no nosso modo de olhar. Eis a nossa lúdica batalha, repleta, no entanto, de gravidade. Novamente, escrevo para não esquecer.  

4 comentários:

  1. esse comentário farei por e-mail.

    beijos procê.

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  2. zeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, mesmo q eu nao tenha sido convidada, vim aqui de intrometida. :D Saudades menino!
    Bejos Erica Bah

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  3. Zé, belíssimo texto. Você me despertou a curiosidade, quero ver O fabuloso destino de Amélie Poulain. Parabéns pelo texto, um abraço

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  4. Querido... é isso aí, nossa "batalha lúdica". Se eu for além no comentário, estarei sendo repetitiva..hehehe. Bejo procê.

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