sexta-feira, 7 de maio de 2010

4- O que acontecerá em 2666?


A primeira coisa que tenho a dizer é que eu estarei vivo até que este dia chegue (assim espero...). Já chegou para os outros, mas para nós brasileiros a previsão é que chegue no dia 20 de maio. Bem, não se trata de uma nova profecia e nem do próximo fim do mundo. Trata-se do romance póstumo do escritor chileno, Roberto Bolaño, que a Companhia das Letras lança no fim do mês.

A minha expectativa é grande, imensa. E isso porque sou um leitor ávido de romances. E esse é grande, é enorme, e além do tamanho (856 páginas, mas as edições estrangeiras colocam o livro com mais de mil), a previsão é de que seja realmente um romance magistral, daqueles romances de vanguarda na linha de Proust e Joyce. É certo que estamos carentes de novos romances paradigmáticos. A impressão que temos é que nada realmente de mágico acontece na literatura. E a questão da genialidade de Bolaño parece suprir muito mais a carência de uma expectativa do que de um fato consumado. Na verdade esse fato, mesmo que real, só se consumará com o tempo, com o seu funil inquebrantável que separará o joio do trigo, a genialidade do banal.

Existe algo de diferente em Bolaño. Algo da natureza semelhante a Rimbaud e Lautréamont, não por acaso os seus poetas favoritos. Bolaño é meio maldito, mas também é um estóico. Algo que caminha na corda bamba da dor entre o abismo e...e o que? Nenhuma ideia de paraíso do outro lado. Mas Bolaño não cessa de ser irônico consigo mesmo e extrai de toda a dor que contém a sua vida e a literatura um lado do espírito que se mantém indefectível diante da névoa que lhe obnubilava a visão. Bolaño fumava muito. Será que essa névoa era fruto de seu próprio ventre ou do ventre do mundo?

O que acontecerá em 2666? E o que acontecerá conosco depois de ler 2666? Para nós que amamos a literatura o livro parece ser um acontecimento que nasce com ar de imperativo categórico. E é um livro, pelo que pude saber dele, que trata também da própria literatura. Não seria interessante a literatura renascer quando o olhar está voltado para ela mesma e não mais para o mundo? Se o nascimento será belo ou não, não sabemos. A verdade é que o livro já parece se tornar Cult antes mesmo de ser lido. Algo meio oracular. Como numa tragédia grega onde o herói nasce determinado a ser aquilo que é independente do caminho que escolher.

Bolaño morreu cedo, de insuficiência hepática em Barcelona, em 2003. Tinha quase 60 anos. Não sei, mas a morte de Bolaño me lembra a morte de Proust. E aí, é claro que as circunstãncias penumbráticas em que a obra foi escrita me lembra também o desafio da escrita que foi também gerar Em busca do tempo perdido. Semelhanças?

Enrique Vila-Matas e Susan Sontag teceram grandes elogios ao chileno.

Dele, só li Noturno do Chile. A impressão foi boa. Mas desejosa de ser melhor. Talvez à espera de seus grandes romances. Impressão também de que Bolaño escreve bem e fácil. Lemos na correnteza as suas páginas. Mas um comichão a cada página virada me dizia sempre que talvez ele estava dizendo mais do que eu conseguia ler. E, ao terminar o romance, tive a certeza disso. Bolaño é sutil. É subversivo. E consegue dizer muito nas entrelinhas, mas o não dito só se completa com a investigação de nosso próprio pensamento.

Bolaño é também conhecido pelo ar detetivesco de seus romances. Finge que faz um romance policial. Claro, o que ele busca é outra coisa, mesmo que para isso tenha que investigar a morte e o desaparecimento (lembremos que a sua literatura é fruto da década de 70 e de seu exílio pela ditadura). É mero estratagema o fato de Os detetives selvagens tratar da busca de uma poeta desaparecida. Em 2666 busca também um crítico desaparecido. Bolaño parece ser senhor de sua arte e de seu estilo. Comecei a ler Os detetives selvagens e trata-se de uma escrita violenta. Bolaño escreve por uma literatura mais sincera. Por uma literatura sem medo. Vila-Matas fala que este romance soube seguir o caminho aberto pelo O jogo da amarelinha do Cortázar. E não apenas estruturalmente, mas subjetivamente também. Parei de ler porque quero ler o Bolaño como merece. E agora, minhas prioridades são outras. Agora quero ver quando 2666 chegar...aí pode ser o começo de um novo mundo. Que caminho ele abrirá? Vamos ver.

O texto vale mais pela dica para conhecer um novo autor do que pelas conjecturas que fez...

2 comentários:

  1. Quero ler você depois que você ler 2666. Nunca li Bolaño, mas seu post sinceramente me deixou com vontade de conhecê-lo. Seu blog está muito bom, você realmente conseguiu renascer e extrair um suco depurado do seu ser. Continue, continue. Beijos.

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  2. Encantada com sua escrita! Excelente e original forma de se manifestar. Também estarei na fila par adquirir e ler Bolaño, de quem nunca li nada! Veja só como estes amigos do Clube estão me tornando uma viciada! rsrsr
    abraços.
    ELoisa

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