A primeira coisa que tenho a dizer é que eu estarei vivo até que este dia chegue (assim espero...). Já chegou para os outros, mas para nós brasileiros a previsão é que chegue no dia 20 de maio. Bem, não se trata de uma nova profecia e nem do próximo fim do mundo. Trata-se do romance póstumo do escritor chileno, Roberto Bolaño, que a Companhia das Letras lança no fim do mês.
A minha expectativa é grande, imensa. E isso porque sou um leitor ávido de romances. E esse é grande, é enorme, e além do tamanho (856 páginas, mas as edições estrangeiras colocam o livro com mais de mil), a previsão é de que seja realmente um romance magistral, daqueles romances de vanguarda na linha de Proust e Joyce. É certo que estamos carentes de novos romances paradigmáticos. A impressão que temos é que nada realmente de mágico acontece na literatura. E a questão da genialidade de Bolaño parece suprir muito mais a carência de uma expectativa do que de um fato consumado. Na verdade esse fato, mesmo que real, só se consumará com o tempo, com o seu funil inquebrantável que separará o joio do trigo, a genialidade do banal.
Existe algo de diferente em Bolaño. Algo da natureza semelhante a Rimbaud e Lautréamont, não por acaso os seus poetas favoritos. Bolaño é meio maldito, mas também é um estóico. Algo que caminha na corda bamba da dor entre o abismo e...e o que? Nenhuma ideia de paraíso do outro lado. Mas Bolaño não cessa de ser irônico consigo mesmo e extrai de toda a dor que contém a sua vida e a literatura um lado do espírito que se mantém indefectível diante da névoa que lhe obnubilava a visão. Bolaño fumava muito. Será que essa névoa era fruto de seu próprio ventre ou do ventre do mundo?
O que acontecerá em 2666? E o que acontecerá conosco depois de ler 2666? Para nós que amamos a literatura o livro parece ser um acontecimento que nasce com ar de imperativo categórico. E é um livro, pelo que pude saber dele, que trata também da própria literatura. Não seria interessante a literatura renascer quando o olhar está voltado para ela mesma e não mais para o mundo? Se o nascimento será belo ou não, não sabemos. A verdade é que o livro já parece se tornar Cult antes mesmo de ser lido. Algo meio oracular. Como numa tragédia grega onde o herói nasce determinado a ser aquilo que é independente do caminho que escolher.
Bolaño morreu cedo, de insuficiência hepática em Barcelona, em 2003. Tinha quase 60 anos. Não sei, mas a morte de Bolaño me lembra a morte de Proust. E aí, é claro que as circunstãncias penumbráticas em que a obra foi escrita me lembra também o desafio da escrita que foi também gerar Em busca do tempo perdido. Semelhanças?
Enrique Vila-Matas e Susan Sontag teceram grandes elogios ao chileno.
Dele, só li Noturno do Chile. A impressão foi boa. Mas desejosa de ser melhor. Talvez à espera de seus grandes romances. Impressão também de que Bolaño escreve bem e fácil. Lemos na correnteza as suas páginas. Mas um comichão a cada página virada me dizia sempre que talvez ele estava dizendo mais do que eu conseguia ler. E, ao terminar o romance, tive a certeza disso. Bolaño é sutil. É subversivo. E consegue dizer muito nas entrelinhas, mas o não dito só se completa com a investigação de nosso próprio pensamento.
Bolaño é também conhecido pelo ar detetivesco de seus romances. Finge que faz um romance policial. Claro, o que ele busca é outra coisa, mesmo que para isso tenha que investigar a morte e o desaparecimento (lembremos que a sua literatura é fruto da década de 70 e de seu exílio pela ditadura). É mero estratagema o fato de Os detetives selvagens tratar da busca de uma poeta desaparecida. Em 2666 busca também um crítico desaparecido. Bolaño parece ser senhor de sua arte e de seu estilo. Comecei a ler Os detetives selvagens e trata-se de uma escrita violenta. Bolaño escreve por uma literatura mais sincera. Por uma literatura sem medo. Vila-Matas fala que este romance soube seguir o caminho aberto pelo O jogo da amarelinha do Cortázar. E não apenas estruturalmente, mas subjetivamente também. Parei de ler porque quero ler o Bolaño como merece. E agora, minhas prioridades são outras. Agora quero ver quando 2666 chegar...aí pode ser o começo de um novo mundo. Que caminho ele abrirá? Vamos ver.
O texto vale mais pela dica para conhecer um novo autor do que pelas conjecturas que fez...
Quero ler você depois que você ler 2666. Nunca li Bolaño, mas seu post sinceramente me deixou com vontade de conhecê-lo. Seu blog está muito bom, você realmente conseguiu renascer e extrair um suco depurado do seu ser. Continue, continue. Beijos.
ResponderExcluirEncantada com sua escrita! Excelente e original forma de se manifestar. Também estarei na fila par adquirir e ler Bolaño, de quem nunca li nada! Veja só como estes amigos do Clube estão me tornando uma viciada! rsrsr
ResponderExcluirabraços.
ELoisa