terça-feira, 21 de setembro de 2010

17- Íntimos do movimento: potência e ato.


A amplitude de um conceito é medida pela vida que é capaz de inaugurar. Um conceito jamais perde a sua potencialidade, a capacidade de atuar nos espíritos mediante a força criadora de que é composto. Ele está presente como um halo em volta do sol, disposto para aqueles que olham para além do centro iluminado. Conteúdo que se desenvolve na medida em que o continente se abre. Somos nós que permitimos a força de atuação de um conceito. Mas é importante sempre dizer que um conceito é, acima de tudo, invenção, criação, antes de ser real. É mais que reflexão e entendimento. Não é uma adequação entre uma ideia e o real. Um conceito só funciona realmente quando o pensamos como criação.

Ando pensando muito no conceito de Ato e Potência de Aristóteles. Somos feitos de matéria e forma. A matéria diz respeito a potência, a forma ao ato. A matéria espera a forma para ser real, é a forma que atualiza a matéria. Mas é esta quem determina a potencialidade da matéria, é ela quem anuncia os limites para que a forma atue. Até onde a forma vai depende, exclusivamente, da matéria, mas a matéria só alcança sua determinação com a forma. Não existe uma sem a outra. Mas, para que isso tudo?

Porque não deixamos de ser isso: potência e ato. O movimento entre um e outro. Necessariamente entre um e outro. Não paramos de movimentar essa matéria de que somos feitos em novas formas de ser. O devir é esse movimento eterno entre potência e ato em atualizações necessárias e voluntárias. Na natureza, irremediavelmente, necessária. No homem, necessárias e voluntárias. E para que todas essas atualizações?

Aristóteles na Metafísica explica mais ou menos assim: toda substância, todo ser, toda matéria e forma, só muda porque deseja a perfeição. O movimento é da ordem do desejo. E o desejo é da ordem da perfeição. Além disso, todo movimento se dispõe em nome da causa final. Nos movimentamos porque almejamos o nosso limite, o nosso máximo, a nossa perfeição de ser. A inércia ou a apatia é a corrupção dessa perfeição, debilidade do ser que, já no auge de sua forma e matéria, não consegue manter a total potencialidade revelada no ato puro. O que queremos em cada ato nosso é alcançarmos esse ato puro que um dia poderemos fazer. Ato em que estariamos todo. Alguém já conseguiu?

A contraposição, a ideia que nos serve de exemplo e de limite é o Motor Imóvel aristotélico. O Motor Imóvel é o divino, pleno, que está no meio do universo. Ele é o ato puro, a realização de todas as qualidades. Imóvel porque sendo pleno não deseja mais nada. Mover-se para que?

Fica claro o quão longe estamos desse Motor Imóvel e o quão próximos ficamos íntimos do movimento. Essa intimidade com aquilo que nos é natural e que no entanto não se realiza por inteiro. A vida é essa abertura possibilitada pelo movimento que não conseguimos romper.Um conceito só tem validade quando inaugura uma possibilidade para extrapolarmos o nosso ser. Um conceito é essa chave para abrirmos a vida. Vamos para o movimento? Vamos, cada vez mais lúcidos dele, de seu sentido, de seu gosto?

E o quanto há de matéria sem forma em mim, de forma na espera da matéria. E você leitor, o quanto há em você de irrealizável?

2 comentários:

  1. ...vou ler mais dez vezes. Assim com li 10x o primeiro parágrafo. E só então vou comentar, quando entrar no mesmo movimento inerte do quase transe em que você escreveu. Benditos sejam os transes!

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  2. Acho que o mais importante, voce acabou de fazer. Aplicar principios tao logicos e belos a realidade de nossas vidas. Tornar as palavras do tio Ari atuais e proximas as nossas realidades, a ponto das mesmas serem fontes de inspiracao, explicacao e ate solucao para nossas dificuldades diarias. Abracos

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