domingo, 11 de julho de 2010

10- Diálogos do ser

Ei. Olha para mim. Agora olhe para essas palavras, você que me lê. Agora esqueça tudo isso...olhe para você. Nada mais interessa. Olhe para o seu fora, aquilo que nos aparece. Olhe para o seu dentro, aquilo que é o sumo do que vemos, ainda que não totalizado, mas que pulsa como potência para a realidade.

Isso. Olhe novamente para você, dessa vez com um olhar cerrado, profundo, como quem procuro na extensão do horizonte uma iluminação. É mero detalhe que você esteja lendo essa página porque o que interessa nunca esteve aqui. É de você que falo. É de você que deve escutar a voz.

"Conhece-te a ti mesmo": frase inscrita no pórtico do oráculo de Delfos e que Sócrates entende e introjeta como sua missão. A partir de agora devo conhecer a mim mesmo. Não seria essa a missão de todos? Mas antes de nos analisarmos parece que estamos invocados com os defeitos dos outros. Ah...se fosse fácil mudar a nós mesmos...e nesse nosso hábito de criticar queremos mudar antes o mundo...e esquecemos de nós...Ah...se fosse fácil mudar a nós mesmos...O quanto é que você conseguiu mudar em você, hein?

Mas Sócrates está lá no oráculo para saber se é o homem mais sábio do mundo. E a Pitonisa pergunta: o que você sabe? Sócrates: só sei que nada sei. Pitonisa: és o mais sábio de todos os homens. Primeiro passo: reconhecer a ignorância. Segundo: sabendo algo, que isso é pouco, muito pouco. A partir daí buscar a si mesmo. As duas frases "só sei que nada sei" e "conhece-te a ti mesmo" estão unidas mais do que nunca, como elevação para a busca (de quê?). A verdade. Mas não como lugar último e iluminado onde de lá não se sai e nem quer sair. A verdade como processo e utopia. E uma vez escutei de um uruguaio, que por sua vez escutou de outro, no seguinte diálogo: a utopia serve para quê? Primeiramente, para nada. Mas lembre-se que ela é como o horizonte. Ele está lá. E queremos alcançá-lo, lindo, onde tudo se promete. Mas a cada passo que damos em sua direção ele recua. A cada dez passos mais, mais ele se afasta. O horizonte como verdade em fuga . Mas para quê, então? Para isso, caminhar. E ponto.

Sócrates caminha na sua utopia. E como ele todos os filósofos. Mas o primeiro desafio, antes de construir, é derrubar, destruir. Arrancar do outro que o que se fez dele ainda não é nada. Maior é o que ele pode fazer consigo mesmo. Porque não é de hoje que somos forjados mais com matéria imposta, passivamente ou não, de que com matéria criada e sabida como nossa. Quebra do princípio de originalidade: somos tão pouco nós mesmo. Bem menos do que a gente imagina. Sempre mais históricos, sempre mais hereditários, sempre mais outro que mesmo. Então, Sócrates quebra. E aqueles que se permitem tal desonra do que se é - mas qual eu? - num primeiro passo recua, mas depois avança como nunca. És outro, sendo de ti.

Mas quem hoje se permite abalar as estruturas? Quem é humilde o suficiente para dizer que até hoje não se conhece direito? Quem? Não é de se estranhar que Sócrates fez muitas inimizades, e que por causa dela foi julgado e condenado. Mas quem é que suporta tamanha ironia? Pois o danado do Sócrates sabia das coisas. Claro que sabia, ora bolas. Essa é a sua maior ironia. Mas depois de passada a ironia vem a graça. No momento exato em que o outro se permite ver - no diálogo - de que precisa do outro para saber. Mas de que é capaz, também, por si de ir onde quiser. No diálogo, sempre no diálogo, a filosofia afirma o outro para ser ela mesma. Aprendemos com a filosofia um modo ser. Ela que pretende saber tudo, sabe que não sabe nada. Que tudo ainda é muito pouco. Que sempre nos falta...diálogos do ser...e o homem quando se comunica já precisa do outro, mesmo que para caminhar sozinho, e ser.

Ei. Olhe para essas palavras. Mas olhe para você. E assim vamos, juntos.

4 comentários:

  1. Sim, vamos juntos, continuemos juntos!

    Aprendemos com a filosofia um mundo de ser.

    Você fala no começo do texto no "fora" e no "dentro". Derrida aponta, no Gramatologia, o papel desses conceitos no surgimento de uma ciência. E diz que Saussure os usou mal para falar da Linguística, ao chamar a linguagem de "dentro" e a escritura de "fora". Derrida desconstrói isso tudo, aliás, Derrida acaba com Saussure, pois, eu tinha entendido o Derrida dizer em outro livro que só desconstrói os autores com quem acha relevante dialogar, talvez pra escrachar o autor mesmo e extrair a sua versão sobre as questões que são tratadas pelo autor. E é isso, o Derrida desmoraliza o pobre do Saussure nesse livro!

    Viajei muito e não falei quase nada sobre seu texto, que dialoga com o(a) leitor(a) com leveza

    aliás, esse seu texto está uma delícia!

    Beijos.

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  2. olá, JM, querido conterrâneo!

    tem razão, tenho escrito muito pouco! estou com um pequeno grande problema que se chama falta de tempo (idéias e inquietações é que não faltam, pode ter certeza). estou no momento do outro lado do mundo, me virando ao avesso pra (sobre)viver por aqui... nesse caso, o trabalho - infelizmente - tem que vir primeiro. e, em segundo, viagens (as físicas, não as da mente). tentarei escrever mais, palavra de escoteira! ;o)

    beijos e prazer em conhecer suas palavras, tão filosóficas e profundas, do jeito q gosto!

    k.

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  3. Adorei, Zé! Vc atinge me cheio a cada dia mais!
    beijos.

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  4. Zé, li de novo... E hj achei ainda mais brilhante! Vc está pronto, amigo amado. Vc se achou. Vc é isso.

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