
O mito da caverna nos abre a perspectiva para a eterna inquietação filosófica. A crua atitude do olhar atento. Não é por acaso que a questão do conhecimento está intimamente ligada à questão do olhar. O próprio mito da caverna é uma prova disso, ainda que Platão desconfie sempre do sensível e do olhar. E é por desconfiar do sensível e do que dele nos chega que Platão pode ver mais. Olha...aquilo que você vê pode não ser assim...pode mudar...pode estar influenciado pelo seu sensível (que é mutável)...e olha...a coisa também muda...o movimento é sempre um espanto no qual temos que cravar a desconfiança do conhecimento.Olhou, viu, observou. Agora, retorne o olhar, veja de novo, observe...e agora? Onde está o conhecimento e a verdade? É sempre inquietante. Uma obsessão encantadora. Por isso é que, cada vez mais, quem já viu, quem já saiu (ou pensa que saiu) da caverna, não pode voltar atrás, não pode fechar os olhos.Quem já viu determinadas coisas pesadas dessa vida sabe do que estou falando. Como fechar os olhos e não escrever sendo um Dostoiévski? Como? Não...o degrau do conhecimento ultrapassado se desintegra tornando a volta (a ingenuidade de não saber) um caminho impossível. Quem lida com o conhecimento e com a sensibilidade que nos faz conhecer mais - a aposta no sensível como na razão é sempre uma alternativa para chegar - percebe que é de irremediáveis voltas que o nosso caminho é traçado, a cada verdade na cara, a cada morte anunciada, a cada fome, a cada vazio. Essa inquietação diante das verdades flutuantes que descobrimos passo a passo. Esse encanto diante de cada erro destecido para se tornar novamente verdade. Esse inquieto encanto diante de tudo.
E a atualidade é um voraz produtor de novas cavernas...
E do encontro com as verdades os nossos olhos ainda mais sangrentos por ter visto o invisível...
E novos olhos anestesiados por novas sombras...
E por ai vai...
E por ai vai...